Sem preservar o planejamento adequado no setor energético e alterar a política de preços da Petrobras, o Brasil ficará refém de interesses econômicos especulativos internacionais e de contínua crise de energia. As mudanças no setor e a transição para uma economia de baixo carbono estão em discussão no mundo todo, mas o país ainda convive com problemas rudimentares de gestão e planejamento das nossas fontes energéticas.
Ao longo de 2021, a sociedade brasileira conviveu com ameaças de racionamento de energia elétrica e o risco de apagão no sistema interligado nacional, fruto da falta de planejamento dos órgãos de gestão e de investimentos públicos para mitigar os impactos de mais uma crise hídrica.
Ao mesmo tempo, o Brasil sofreu com uma política equivocada de elevação contínua dos preços dos combustíveis, praticada pela Petrobras desde o final de 2016 e aprofundada pelo governo Bolsonaro, que equipara a produção nacional a produtos importados e pagos em dólar. Para o governo federal, as reformas se traduzem apenas na venda do patrimônio público, como se fossem a solução mágica para tudo.
Sem se preocupar com o enorme custo para a população brasileira provocado pela falta de planejamento, Bolsonaro resolveu que a crise seria resolvida apenas por meio de um brutal aumento de tarifas – chegando a criar mais “bandeiras tarifárias”, que significaram aumentos extras nas contas de luz dos trabalhadores. Como resultado dessa política nefasta, a tarifa de energia foi uma das principais responsáveis pelo aumento da inflação do ano passado, que registrou um dos maiores índices da última década.
Agora, estamos novamente diante de um quadro dramático, agravado pela pandemia, pela ampliação da crise econômica e da eventual privatização da Eletrobrás, e os sinais de alerta indicam que poderemos ter uma série de “tarifaços” nas contas de energia por conta do aumento da geração termelétrica, em meio à denúncias de desperdício de água nas barragens das principais usinas hidrelétricas do país.
Recentemente, a imprensa revelou que a população paga mais caro pela energia de termelétricas mantidas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), mesmo com a ocorrência de chuvas recentes que recuperaram parte dos reservatórios de hidrelétricas. Conforme se noticiou, somente as usinas Belo Monte e Tucuruí, no Pará, e Sobradinho, na Bahia, responsáveis por 20% da capacidade de geração hidrelétrica no país, literalmente jogam água fora por não terem como escoar toda a energia que podem produzir.
O custo mensal de uma única termelétrica é mais da metade do montante destinado a descontos nas contas de luz de 35,3 milhões de consumidores nas faturas de janeiro de 2022. Com a queda do nível de reservatórios provocada pela estiagem e o uso indiscriminado das reservas hídricas das usinas, o governo Bolsonaro autorizou a entrada em operação de um grande número de termelétricas, sem qualquer planejamento e avaliação de custos para os consumidores.
Mesmo com melhora nos reservatórios, o governo federal sequer preparou e divulgou um plano para desligar as termelétricas ou tornou públicos os dados dessas medidas, especialmente sobre o custo para os consumidores que vão pagar essa conta.
Com a entrada da estação de chuvas, os dados mostram uma significativa melhora nas condições de armazenamento nas barragens das usinas em todo o país. No Nordeste, por exemplo, os reservatórios estavam com 51% da capacidade em janeiro de 2021, e agora estão em 73%. No Norte, foi de 31% para 86%. No Sudeste e no Centro-Oeste, subiu de 23% no início de 2021 para 38% neste ano.
No entanto, o despacho das usinas termelétricas se manteve inalterado desde o ano passado – cerca de 14% da demanda nacional, mesmo com a melhora na situação hídrica. Os custos adicionais com o acionamento das termelétricas que substituem a geração das hidrelétricas devem chegar a R$ 14 bilhões, segundo estimativas conservadoras dos técnicos do setor.
E tudo isso será pago por mais encargos futuramente incluídos nas tarifas de todos os usuários do país. Ao mesmo tempo, a matriz energética brasileira torna-se mais poluente, com a elevação do uso de fontes fosseis, ao contrário do que pratica o mundo, que realiza políticas ativas para reduzir o uso dessas fontes e combater mudanças climáticas, em consonância com metas acordadas globalmente.
Mas a crise energética também se estende para os combustíveis, pois o governo Bolsonaro insiste em manter uma política de preços equivocada e vender os ativos mais estratégicos da Petrobras, como as suas refinarias, reduzindo a utilização da capacidade instalada nas unidades de refino e incentivando a importação de derivados com valores mais elevados. Assim, a política de preços dos combustíveis mantida pela Petrobras está elevando os valores desses produtos a patamares históricos, prejudicando consumidores, empresas e o desenvolvimento nacional.
A promessa do governo Bolsonaro de reduzir os preços dos combustíveis mudando a presidência da Petrobrás se mostrou vazia. A dita política de “preço de paridade internacional” (PPI), praticada pela Petrobras, corresponde a uma verdadeira política de preço de paridade de importação, em que a estatal vende os derivados de petróleo internamente, entre os quais diesel, gasolina e gás de cozinha, como se fossem todos produtos importados, cujos valores são mais elevados, pois a eles se somam custos de importação. A utilização da capacidade das refinarias é reduzida e a própria empresa perde mercado ao incentivar essas importações.
Em vez de servir como empresa estatal, cumprindo com objetivos de garantir preços razoáveis, baseados na própria capacidade produtiva existente, e evitando pressões inflacionárias, a Petrobras determina os preços conforme as cotações do petróleo e do dólar no mercado internacional, os custos de internação de importados e a remuneração dos importadores. Atrelados ao dólar e ao mercado externo, os preços dos combustíveis flutuam para cima em sintonia com as altas internacionais, mas raramente são reduzidos quando ocorre baixa.
O conflito na Ucrânia no início de 2022 torna ainda mais complicada a situação brasileira, já que os preços do petróleo no mercado internacional subiram de patamar e podem ainda disparar mais a depender de desdobramentos geopolíticos e da aplicação de sanções econômicas e financeiras. O mundo que parecia deixar para trás o desastre humano e econômico da Covid entra em nova fase de baixo crescimento e de dificuldades globais no campo do abastecimento energético.
Portanto, entendemos que o tema da política energética e de combustíveis é urgente e de importância capital para a sociedade brasileira. São enormes os impactos negativos impostos aos consumidores e empresários brasileiros, em consequência da privatização da Eletrobrás e dos ativos da Petrobras, dos elevados custos de energia para a população, que paga uma das maiores tarifas de energia elétrica do mundo e desperdiça recursos hídricos estratégicos, e da política de paridade de importação, que eleva brutalmente os preços dos combustíveis.
Devemos urgentemente mudar as políticas atuais para que o Brasil saia dessa crise de energia e retome o rumo do desenvolvimento econômico e social.
Zé Neto é deputado federal pelo PT-BA e vice-líder da bancada do partido na Câmara dos Deputados